Crise no Crédito Rural: Governo Federal Suspende Contratações de Crédito Rural

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Veterinário Edson Martins

A suspensão do crédito rural subvencionado pelo governo federal atingiu em cheio o coração da pecuária brasileira, deixando milhares de produtores à deriva. Em um movimento que contradiz todas as promessas de campanha, o atual governo paralisou novas contratações do Plano Agrícola e Pecuário 2024/2025, mantendo apenas o custeio do Pronaf.

Crise no Crédito Rural: Como a Suspensão dos Financiamentos Ameaça o Futuro da Pecuária Brasileira

Ser pecuarista no Brasil nunca foi uma tarefa fácil, e o governo atual está fazendo o possível para dificultar mais ainda a vida de quem trabalha com pecuária. Desde 21 de fevereiro de 2025, a Secretaria do Tesouro Nacional suspendeu novas contratações de crédito rural subvencionado previstas no Plano Agrícola e Pecuário 2024/2025, mantendo apenas as linhas destinadas ao custeio do Pronaf. Esta medida, justificada pelo aumento dos custos com equalização de juros e pelo atraso na aprovação do orçamento, representa um duro golpe para milhares de pecuaristas que dependem desses recursos para manter suas atividades.

Os números são alarmantes: 67% dos pecuaristas de médio porte dependem dessas linhas de financiamento, e estudos da Universidade Federal de Viçosa projetam queda de até 12% na capacidade de investimento do setor. Enquanto bilhões são destinados a programas de eficiência questionável, corta-se recursos justamente do agronegócio, responsável por 8,5% do PIB nacional e pela geração de milhões de empregos.

O resultado? Projetos de melhoramento genético paralisados, modernização do manejo interrompida e uma perspectiva de inflação nos alimentos entre 4,5% e 6,2% nos próximos meses, comprometendo não apenas o futuro do campo, mas a mesa de todos os brasileiros. Neste artigo, analisamos as graves consequências dessa decisão para o setor pecuário brasileiro e os caminhos possíveis para enfrentar esta crise sem precedentes.

O desmonte silencioso do financiamento rural

A pecuária brasileira, responsável por empregar mais de 5 milhões de pessoas direta e indiretamente, sempre dependeu de políticas de crédito estruturadas para seu desenvolvimento. O atual corte não é apenas uma medida administrativa - representa o desmantelamento de um sistema que funcionava, ainda que com falhas.

"Essa suspensão pegou todo mundo de surpresa. Tínhamos projetos avançados para modernização do manejo do rebanho que agora estão completamente paralisados", lamenta Carlos Mendonça, pecuarista há 30 anos no interior de Goiás.

O timing da suspensão foi especialmente perverso. Ocorreu justamente quando muitos produtores já haviam iniciado negociações para aquisição de matrizes, investimentos em melhoramento genético e implementação de sistemas de pastejo rotacionado - projetos que agora encontram-se paralisados por falta de capital.

Números que assustam o agronegócio

De acordo com pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), aproximadamente 67% dos pecuaristas de médio porte dependem diretamente das linhas de crédito oficiais para investimentos em infraestrutura e tecnologia. A Universidade Federal de Viçosa estima que o impacto dessa suspensão possa representar uma queda de até 12% na capacidade de investimento do setor nos próximos 12 meses.

"Os números são alarmantes. O governo parece ignorar que cada real investido na pecuária gera um retorno de R$3,20 para a economia como um todo", alerta o professor Antônio Carlos Ferreira, da Faculdade de Economia Rural da UFRJ, em estudo recente sobre o impacto econômico do crédito rural.

Promessas de campanha vs. realidade do campo

Durante toda a campanha eleitoral e nos primeiros meses após a posse, o discurso oficial exaltava o agronegócio como "motor da economia brasileira". Os compromissos firmados incluíam ampliação de linhas de crédito, redução de juros e desburocratização dos processos de financiamento.

A realidade, contudo, revelou-se radicalmente oposta. Além da suspensão das linhas de crédito, produtores enfrentam juros crescentes, com a taxa Selic em 14,25% - patamar que não se via desde 2017. A combinação é explosiva: menos crédito disponível e taxas mais altas para as poucas linhas restantes.

"É difícil não enxergar uma contradição gritante entre o discurso e a prática", observa Teresa Cristina, presidente da Associação dos Criadores de Gado de Corte de Mato Grosso. "Enquanto nos prometiam apoio irrestrito, por baixo dos panos já preparavam o terreno para esse corte drástico."

O descaso com o setor que alimenta o país

A incoerência da decisão governamental torna-se ainda mais evidente quando consideramos os números da pecuária brasileira. Segundo dados do IBGE, o setor movimenta anualmente cerca de R$670 bilhões, contribuindo com aproximadamente 8,5% do PIB nacional. O Brasil mantém o maior rebanho comercial do mundo, com mais de 224 milhões de cabeças de gado.

Em pesquisa recente da Embrapa Gado de Corte, constatou-se que cada emprego direto gerado na pecuária sustenta outros 3,7 empregos em setores correlatos. "Estamos falando de uma cadeia produtiva extensa, que vai desde o pequeno fornecedor de insumos até grandes indústrias de processamento", explica o pesquisador José Roberto Ferreira.

Impactos imediatos na vida do pecuarista

Para entender a dimensão prática dessa crise, conversamos com diversos produtores afetados. O relato de Márcia Oliveira, pecuarista de Três Lagoas (MS), ilustra bem o cenário: "Tínhamos aprovado um projeto de R$780 mil para implantar um sistema de rotação de pastagens e infraestrutura para manejo. Dois dias antes da liberação do recurso, veio a notícia da suspensão. Agora, além de perder o investimento projetado, ainda arcamos com os custos de consultoria e documentação que já haviam sido pagos."

Os reflexos negativos se estendem muito além dos grandes investimentos. Roberto Almeida, pequeno produtor de gado leiteiro no interior de Minas Gerais, dependia do financiamento para renovar seu plantel. "Sem crédito, não consigo comprar novilhas de qualidade genética superior. Isso significa que minha produtividade continuará estagnada pelos próximos anos, enquanto os custos só aumentam."

Efeito cascata no abastecimento e preços

A suspensão do crédito rural não prejudica apenas o produtor. Seus efeitos em cadeia já começam a ser sentidos em outros setores. O professor Paulo Henrique Santos, da Universidade Federal do Paraná, projeta um cenário preocupante:

"Sem investimentos em produtividade, teremos uma redução gradual na oferta de carne e leite nos próximos 18 meses. Naturalmente, isso pressionará os preços ao consumidor final, podendo gerar inflação nos alimentos entre 4,5% e 6,2% acima da inflação geral."

Este cenário é particularmente grave considerando que o Brasil é responsável por 20% das exportações mundiais de carne bovina. Qualquer queda na produção tem impacto global e compromete a posição do país como líder nesse mercado.

Alternativas para sobreviver à crise

Diante do cenário adverso, pecuaristas buscam soluções criativas para manter suas operações. Algumas alternativas têm surgido:

  1. Cooperativas de crédito rural: Instituições como Sicredi e Sicoob têm aumentado suas linhas específicas para o setor, ainda que com juros menos subsidiados.

  2. Financiamentos privados via tradings: Empresas exportadoras têm oferecido adiantamentos em troca de garantia de fornecimento futuro.

  3. Reorganização do ciclo produtivo: Alguns produtores optam por reduzir o rebanho, mantendo apenas os animais mais produtivos para atravessar o período de escassez de recursos.

  4. Diversificação de atividades: A integração lavoura-pecuária surge como alternativa para diluir riscos e maximizar o uso dos recursos disponíveis.

"É adaptar ou sucumbir", resume Francisco Cardoso, pecuarista do Triângulo Mineiro que converteu parte de sua propriedade para sistemas integrados. "Não podemos esperar que este governo entenda nossas necessidades. Precisamos encontrar nossos próprios caminhos." O que é triste ouvir de quem alimenta o país com seu trabalho duro.

A incoerência da política econômica atual

A suspensão do crédito rural revela problemas mais profundos na condução da política econômica brasileira. Enquanto bilhões são destinados a programas de duvidosa eficiência, corta-se justamente em um setor que gera retorno comprovado.

Os números são reveladores: estudo da Fundação Getúlio Vargas indica que cada R$1 milhão investido em crédito rural gera aproximadamente R$3,2 milhões em PIB e 48 empregos diretos e indiretos. "Nenhum outro setor apresenta essa capacidade de multiplicação", destaca o economista Carlos Eduardo Vieira.

O contrassenso fiscal e suas raízes

"O argumento fiscal não se sustenta quando analisamos as prioridades deste governo", avalia Paulo Martins, especialista em finanças públicas da Universidade de Brasília. "Enquanto suspende o crédito rural sob alegação de contenção de gastos, aprova-se aumento de despesas com publicidade institucional e programas assistencialistas sem contrapartida produtiva."

Dados do Portal da Transparência revelam que, no mesmo mês da suspensão do crédito rural, foram liberados R$4,7 bilhões para programas considerados não essenciais por especialistas.

O que o futuro reserva para a pecuária brasileira?

As perspectivas para os próximos meses são incertas. A retomada das linhas de crédito depende da aprovação do orçamento pelo Congresso Nacional, processo que tem se arrastado em meio a disputas políticas. Mesmo com a eventual aprovação, não há garantias de que os recursos serão restabelecidos nos mesmos patamares anteriores.

"Estamos trabalhando com cenários de contingência, partindo do pressuposto que o crédito subsidiado não retornará tão cedo", explica Marcos Jank, presidente do Instituto do Agronegócio. "O setor precisa se reorganizar para uma nova realidade, onde o financiamento estatal será cada vez mais escasso."

Resistência e reinvenção: o DNA da pecuária brasileira

Apesar do cenário desafiador, a história mostra que o agronegócio brasileiro tem notável capacidade de adaptação. Em crises anteriores, o setor não apenas sobreviveu como se reinventou, emergindo mais forte e eficiente.

"O pecuarista brasileiro já enfrentou secas, embargos internacionais, crises sanitárias e econômicas. Vamos superar também esta crise de crédito", afirma com determinação Antônio Pitangui, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu.

Um setor que não pode esperar

A pecuária brasileira encontra-se em uma encruzilhada. Se por um lado enfrenta o desafio imediato da falta de crédito, por outro precisa continuar sua jornada de modernização para manter-se competitiva globalmente.

O momento exige união do setor para pressionar por soluções estruturais, não apenas paliativos. Enquanto o governo insiste em tratar o agronegócio como variável de ajuste fiscal, cabe aos pecuaristas a difícil tarefa de navegar em águas turbulentas sem perder o rumo do desenvolvimento sustentável.

A sorte do Brasil é ter produtores rurais resilientes e apaixonados pelo seu trabalho. Pessoas anônimas que levam alimento a milhões mesmo não tendo o devido apoio e muitas vezes sofrendo duras críticas.